A vida corre lá fora. O pai vai trabalhar,
vai às compras e orienta a casa, ela vai para a nova escola. Nós ficamos aqui,
os dois ao colo um do outro. A avó vem e traz-nos uns miminhos, vai para a
piscina ou então vai apanhar azeitonas com o avô, anda cansada pois não aguenta
a energia do avô Zé, que nunca pára, mesmo reformado a vida corre-lhe nas botas
e o vento mal lhe empurra a boina. A vida corre lá fora.
Nós ficamos aqui. Amamento, dou colo, como
qualquer coisa, adormeço, adormecemos e recuperamos energias para mais uma
rotina de fraldas, mama, colo e sestas, entretanto tenho sede de ver a vida lá
fora, vou à internet e vejo como o mundo anda agitado, vejo que a Inês está
apaixonada pelo João e fico de lágrimas nos olhos, vejo as pessoas em festas ou
em viagem e fico feliz, a ocitocina ainda pulsa aqui dentro. Mas agora é
tempo de ficar por aqui, a cuidar deles e de mim. Esqueço quem fui. Tornei-me
mãe outra vez, e vou ter de me tornar mulher de novo. Recomeço mãe de uma
menina e de um bebé. Como é que isto se faz? Como posso dar colo só a um? O pai
ajuda, ajuda bastante e eu estou-lhe imensamente grata por isso. Ela
espera que mude a fralda, que dê mais um colo e amamente. Ela espera e entende
que também fiz o mesmo por ela e com ela. Explico-lhe e mostro-lhe fotografias
de quando era muito pequenina. Agora já crescida espera que cuide do irmão para
depois poder cuidar dela.
Decidi que ia fazer um resguardo de 40
dias. Ficar por casa, ver poucas pessoas, ver boas pessoas. Não queria ir para
a rua, o mundo apressado não entende o pós-parto de uma mãe. O mundo apressado quer
dar sempre opinião a uma mãe com o seu recém-nascido. Por isso ficamos aqui o
primeiro mês e mais alguns dias. O mundo corre lá fora. Não queremos ouvir
muitas histórias. Queremos seguir o instinto de mãe-bebé e ficamos aqui.
Olhamo-nos profundamente e sabemos que nos escolhemos. Trazemos um pouco mais
de consciência a este lugar que pertencia aos nossos antepassados, damos colo,
muito colo, porque eu acho que por aqui houve falta dele. No pós-parto vivemos
num estado alterado de consciência, a ocitocina ainda vibra em todo o corpo e
por isso o mundo à nossa volta é perfeito, entendemos mais uma vez que
estamos no lugar certo e a fazer as coisas certas. Olho para a minha casa, para
a minha vida e percebo o quanto de felicidade existe nisto tudo. Bolas, somos
mesmo abençoados e eu às vezes esqueço-me disso, mas é o medo, o medo a
espreitar como em todas as casas e em todas as vidas. Se não fosse o medo.
Vivi momentos maravilhosos e momentos de
alguma inquietude, desamparo. Moro num lugar onde a amamentação prolongada é
pouco frequente, onde os partos ainda são histórias mal contadas, onde a mãe
muitas vezes desconhece tudo o que lhe fizeram e acredita que lhe salvaram a
vida, mesmo que a tenham levado àquele sem fim de intervenções desnecessárias
em que o sistema continua a acreditar, como se a natureza da mãe e do bebé não
fossem suficientes, vindos ao mundo já com uma série de limitações. E nisto eu
sinto um desamparo, sinto falta de poder falar do meu parto, de poder falar de
amamentação, de colo, de ressoar em alguém as coisas que penso e que vivi na pele. Ninguém me parece entender. Partos em casa parece coisa de gente sem juízo.
No pós-parto
estamos sensíveis, e toda a nossa sensibilidade pode ser favorável ao sistema
que rapidamente nos oferece pomadas, bicos de silicone, biberons e chupetas.
Desta vez passei por acreditar que teria de usar uma pomada para o rabinho do
meu bebé, mas a minha intuição dizia-me que não, deixei passar uns dias, mais
uma vez observei atentamente e, algum tempo depois o assunto resolvia-se de forma
natural, da forma que eu sei e acredito. Entretanto foi-me sugerido que
amamentasse apenas de duas em duas horas, e mais uma vez, não ia resultar, eu
não acreditava nisso. Porque já sabia que a saliva do meu bebé e o meu mamilo
eram mais inteligentes que qualquer cérebro de enfermeiro. Eles comunicam e
sabem quando é necessário amamentar. Mais uma vez o mundo queria que eu
acreditasse que só devemos amamentar de duas em duas horas porque senão vai ser
difícil o bebé digerir tanto leite, vai ter cólicas, vai estar sempre a fazer
coco e ficar com o rabinho assado etc etc etc. Mentira. Tudo mentira. Voltei a amamentar ao nosso ritmo. E resultou. Continuo sem comprar a primeira chupeta,
mesmo que ela não entenda porque todos os bebés a usam e porque ela e o mano
não, mas a verdade é que não pondero a ideia de tapar a boca deles com algo que
não sejam os meus mamilos nesta fase. No final de contas as chupetas são apenas e só uma invenção que em,
alguns casos, poderá dar jeito.
Entretanto nós ficamos aqui. Não vou a
retiros, palestras, cursos ou eventos interessantes como fazia, nem tão pouco às aulas de
yoga, mas a experiência de ser mãe traz-me mais sabedoria e conexão que
qualquer uma destas coisas e torna-se numa verdadeira mesa de experiências,
onde eu sou a verdadeira cientista de mim e dos meus filhos. Observo tudo e com
presença consigo identificar cada problema, os meus e os deles. Cuido do
que está menos bem e foco-me no que temos de melhor.
A maternidade é uma verdadeira porta para
a transformação e conhecimento pessoais de uma mulher. Podemos entrar, espreitar,
bater e fugir ou podemos simplesmente nem olhar, fazer de conta que está ali
uma janela com cortinas escuras e vidros sujos.